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Franklin Roosevelt, Zé Bonitinho, Johnny Bravo

Por Eduardo Soares

Pelo nome escolhido, é de se imaginar que a mãe de Franklin Roosevelt queria que o filho fosse alguém importante na vida. Qualquer pai e mãe querem ver o melhor do herdeiro, mas tenho tendência a acreditar que os pais de um recém nascido batizado como Ayrton Senna, Stallone Britto (esse é um conhecido meu) ou Brooke Shields idealizaram alto demais.

Nosso protagonista gostava de ser chamado de Frank. Era mais simples e evitava diálogos do tipo:

– Qual é seu nome?

–  Franklin Roosevelt da Silva Pereira.

– Hein? Frânquíl Rusoveld? Esse não era aquele cantor da antiga?

– Não, não. Aquele era o Elvis Presley Sinatra. 

Era pública e notória a aversão de Frank com os estudos. Desde moleque ele nunca foi fã de escola, professora, cadernos, lápis e caderneta de presença de bolso (alguém lembra delas?).  Contudo, a natureza se encarregou de presenteá-lo com uma beleza acima da média. Com isso, pouco a pouco sua fama de “pegador” ganhava fama. Loiro (com direito a topete lambuzado de gel), alto, olhos claros, bem afeiçoado. Por tudo isso, seus amigos inventaram dois apelidos inusitados: Rato de Supino e Johnny Bravo, ambos devido ao seu peitoral estufado, popularmente chamado de “peito de pombo” pelos gaiatos de plantão.  A referência ao personagem do desenho animado era a cópia perfeita de Frank. Além disso, chegava a ser engraçada sua forma de “chegar junto” das meninas. A pose era padrão: alvo em vista, sorriso estilo Colgate escancarado de orelha a orelha, mão direita alisando o cabelo quase plastificado e o braço esquerdo encostado no muro. O “e aí, gatinha” era o inicio de uma lengalenga que, acreditem, dava certo e invariavelmente terminava entre beijos e amassos. Até agora estamos falando de adolescentes mas encontramos algumas mulheres que adotam o estilo “não sei quem você é, mas é gatinho e pegável”.  Outros critérios? Uma lorota a meia bomba do galanteador e pronto! Basta isso para o recém casal cair na beijação sem conteúdo. Ainda bem, que existem mulheres e…mulheres.

Bem ou mal, a fama corria solta e algumas meninas sonhavam em beijar Frank. Inclusive Pamela. Boa moça, tímida, era querida por todos, apesar de ser a considerada a “bicho do mato” da galera.  Certa vez as amigas de Pamela foram numa matinê no clube do bairro. Todo mundo sabia da sua vontade em querer ficar com Frank. Aos 16 anos, ela nunca havia beijado na vida. E o Johnny Bravo brotou como sonho quase inatingível da nossa recatada personagem. A moça não sabia mas suas amigas armaram um encontro surpresa entre ela e Frank no tal clube.

A festa estava boa. Musica bacana, galera bonita, alegria contagiante, comida e bebida liberadas. Num canto do salão, uma mesa estava cheia de adolescentes. Eram mais ou menos uns vinte que subitamente  se levantaram em sintonia com a alegação de que era hora de dançar. Três pessoas ficaram. Melhor, duas moças e um rapaz. Discreta que só ela, Pamela estava quase imperceptível num canto da mesa enquanto do outro lado Frank estava (advinhem) paquerando uma garota naquela posição de sempre. Mão no cabelo, etc. 

A garota não queria nada com ele. Raridade. “É meu dia”, pensou Pamela. Duas amigas dela puxaram-na pelos braços e praticamente colocaram frente a frente a moça tímida e o garanhão juvenil de revistas masculinas.

– Oi, Frank. Essa é a Pamela, nossa amiga lá do colégio. Ela queria conversar um pouco com você, pode ser?

Ele a fitou dos pés a cabeça. Seu sorriso de “e aí, gatinha” cedeu a vez para um semblante  irônico com maquiagem de deboche e retoques de sarcasmo.

– Fala aí Panela! Colega, vou te falar: gosto de namorar, meu beijo é gostoso, quem fica comigo se apaixona de cara. Na moral, tenho bom gosto e por isso nunca fiquei com uma baleia. Não tem nada a ver comigo. Quero sentir curvas e não carne, valeu? Talvez quando você crescer a gente pode conversar…

– Mas, temos a mesma  idade…

– Papo dez: não rola, sem chance. Te espero quando você foi virar gente.

Amor de adolescente chega a ser engraçado. Ela fez daquele toco uma espécie de combustível para sua admiração desmedida. Por algum tempo, ela pedia para ele estudar, que aquela vida de “peito de pombo” não o levaria a nada. Pamela se ofereceu para ser professora particular dele. Talvez pela persistência, ele cedeu ao pedido e foi a duas aulas personalizadas na casa dela. Mas no final das contas Frank acabou ficando com uma prima da Pamela…

O tempo passou. Hoje aquela galera está na casa dos quarenta anos. Cada um seguiu um destino diferente. Teve gente que trocou de rua,  bairro, uns até saíram do país, como a melhor amiga da Pamela, que trabalha numa multinacional e mora nos Estados Unidos. E a “bicho do mato”? Bom, ela deu uma guinada na vida. Dedicou boa parte do seu tempo para os estudos. Nada de exageros afinal ela soube dividir sua dedicada vida didática com os passatempos. Com isso saiu, curtiu, viajou, aproveitou. E quando resolveu ganhar quilos de satisfação pessoal, Pamela tratou de cuidar da estima e do corpo. Atualmente ela concilia sua agenda entre ensaios fotográficos para uma agencia especializada em modelos plus size com a função de gerente regional do setor de publicidade da mesma multinacional onde atua sua melhor amiga. 

Recentemente, Pamela chegou aos quarenta anos e decidiu comemorar a fase dos “enta” (40,50,60…) numa boate famosa da cidade. A casa estava cheia, afinal ela continuava sendo querida por todos. E agora, quem diria, era até cobiçada por muitos. No alto da madrugada, ela chegou ao local com uma amiga que estranhou um fato. A amiga olhava com ar de incredulidade para o lado e soltava um sorriso meio nervoso. Perguntada sobre o motivo disso, ela respondeu:

– Lembra que minha avó ganhou uma festa picante com um stripper aposentado que mais parecia o Zé Bonitinho? O coroa usava uma peruca topetuda vermelha tipo Pica Pau, estava com uma sunga furreca e coitado, era mais murcho do que uva passa. É aquele cara ali.

Ela apontou para o manobrista da boate. Pamela levou um susto. Mesmo depois de tanto tempo era impossível não lembrar dele. Era Frank, no alto dos seus quarenta mas com biótipo de quem estava com um pé nos setenta (mal vividos). Ela foi falar com ele.

– Lembra de mim? Panela, lá do clube, das aulas particulares…

– Pamelinha? Nossa! Que isso, gatinha, como você está…gata! Escuta, vamos sair hoje, relembrar nossa história?

–  Querido, talvez quando você crescer a gente pode conversar…

– Mas, que isso, lembra que eu era doido por você?

– Não rola, valeu? Te espero quando você foi virar gente.

Ele ficou petrificado. Sem palavras, sem reação, sem saber o que pensar. O mundo dá voltas e as palavras usadas por ele agora foram usadas para ele. Ela, antes de entrar, voltou para deixar dez reais na mão do ainda galanteador. Em seguida, Pamela segurou no rosto envelhecido de Frank e a dois dedos de distância entre um rosto e outro disse:

– Você passou toda sua vida malhando quase todos os músculos do seu corpo. Só faltou o principal: o cérebro. Obrigado por me fazer crescer. Hoje estou gordinha, gostosa, bem sucedida e de bem com a vida. Beijos, Johnny Bravo! Ou seria Zé Bonitinho?

No dia seguinte, de frente a um boteco sujo, Frank amanheceu morto, largado na calçada. Duas guimbas mal tragadas e uma garrafa de cachaça vazia ao lado eram suas companheiras.  No caso dele, o arrependimento mata.

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