Por Eduardo Soares
Ontem estava tirando o restante da hora do almoço num shopping. Como sempre extrapolei na comida – moqueca de camarão – e era preciso caminhar para “digerir” o alimento (crendices populares são cômicas, convenhamos). Se fosse fácil assim, qualquer caminhada (debaixo do sol escaldante) pós feijoada seria a melhor academia de todas. Passei de frente a essas lojas de brinquedos e, enquanto esfriava o sentimento (safado) de culpa (ordinária) depois daquele prato (devasso) com um sundae de caramelo (e parênteses e festival de gula) vi uma cena que alimentou minha curiosidade. Mãe e filha, de frente a tal loja. A mulher, elegantemente desalinhada, de pele branca e macia feito pêssego, aparentava uns trinta e poucos anos vividos a base de viagens internacionais e conforto diário. A filhota não ficava atrás. Loirinha, dentes separados, usava um vestidinho cor de rosa com detalhes brancos. A cor vibrante da roupa lembrava um bolo infantil contornado por glacê. Ela estava impossível. Queria aquele bicho de qualquer jeito. E apontava, choramingava, ostentava um bico comovente, fazia aquela feição triste-e-desamparada típica do Gato de Botas em Shrek. Em outras palavras, menos romantizadas: dava um show de birra!
A mãe não entendia o motivo daquilo tudo. Aquilo é feio, dizia ela numa tentativa de por em pratica um tipo de psicologia convincente. “Olhe bem, onde é que isso é bonito, filha?”, repetia a pobre (no sentido de pena, piedade) trintona, enquanto passava a mão no cabelo liso e loiro que teimava em cair na direção dos olhos. Pelo suspiro, era de se imaginar que a mulher começara a perder a persistente paciência. Amor de mãe é inigualável. Criança chata no colo (embora fosse grandinha), aquele chororô no ouvido, a filha pedindo insistentemente pelo presente e a mãe lá, tentando manter a calma e o controle da situação. Aquela mulher, se não fosse psicológica, pedagoga ou pediatra, tinha grande vocação para ganhar o Premio de Paciência Mor do Ano. Entre choros, pedidos e sacolejos, eis que a jovem senhora abriu um sorriso enorme! Até eu fiquei com vontade de ganhar aquele sorriso! Só não fiz a tal cara de triste-e-desamparado do Gato de Botas pois sabia que meu prêmio seria um belo bofetão no pé do ouvido.
Já sei! Lembra daquele desenhos que vimos na fazenda, perguntou a mãe. A filha fez cara feia, típica de interrogação infantil para depois dar de ombros enquanto mantinha o ar de “hein?”. A mãe insistia: “Filha, você esqueceu dos desenhos que vimos depois do passeio com o vovô? Eu, você e seu pai!” A resposta, embora com duas miseres letras, mostrou que a lembrança dos tais momentos fora resgatada: “Aaaaaahhhhhhhhhh!” Ambas sorriram e entraram na loja. Minutos depois saíram do local com dois bichos de pelúcia: Pantera Cor de Rosa e o Nemo. Você sabia que ela não fala?, perguntava a mãe enquanto apontava para a veterana felina rosada. Por quê?, indagava a loirinha. Ela sempre foi assim. Lembra como ela anda?, respondeu a mãe. Criança no chão e as duas caminhavam de forma engraçada no shopping enquanto cantarolavam o tema clássico da Pantera.
Tive duas sensações distintas. Curiosidade e saudosismo. Afinal, qual era o tal bicho que a mãe não queria dar para a filha? Entrei na loja e, tal qual um repórter investigativo, indaguei uma atendente sobre a situação. Ela riu e apontou para um macaco de pelúcia. Devo admitir: a mãe estava certa. Nem sabia que existia tal espécie de bicho em pelúcia. Cara de mau, dentes a mostra, definitivamente não era algo merecedor de elogios. Perguntei para a mesma atendente se aquele bicho era comprado. Raramente, respondeu ela para depois completar, mas tem criança com gosto pra tudo. Olhei para o lado e vi vários animais, todos de pelúcia e pequenos, com mais ou menos trinta centímetros. Vi tamanduá, arara-azul, bicho-preguiça, coala, polvo, joaninha, tatu, elefante, rinoceronte. Lembrei de uma mulher (sem filhos, por sinal) que conheço, toda séria, discreta, reservada. Mas dona de um belo exemplar de furão de pelúcia! Bom, não posso falar muito, já dei uma família de porcos rosados para uma mulher, que amou, por sinal….
Quando crianças, ficávamos muito preocupados com fatores gravíssimos: as notas da escola, o jogo na hora do intervalo, a hora do desenho animado, o banho no animal de estimação. Queríamos ser adultos. Crescemos e ganhamos novas e verdadeiras preocupações. Aí bate aquela vontade de voltar a ser moleque/moleca. Impossível? Que nada! Certas pessoas com mais de vinte ostentam verdadeiro espírito de criança. São pessoas sérias, alegres, reservadas, extrovertidas, donas de casa, empresárias, comunicativas, românticas, amorosas, tímidas! Essa gente nos ensina que a última parte que envelhece é o coração.
Ah, essas crianças…